Nos últimos anos, a resistência antimicrobiana tem se tornado um problema crescente de saúde pública. Bactérias que antes eram facilmente controladas por antibióticos convencionais agora estão se tornando cada vez mais resistentes, tornando as infecções difíceis de tratar. Um grupo específico de bactérias, conhecido como ESKAPE, é particularmente problemático, composto por: Enterococcus faecium, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter spp., é responsável por grande parte das infecções hospitalares e apresenta alta resistência aos tratamentos disponíveis (1). Outro problema de saúde pública, que tem afetado milhões de pessoas são as doenças negligenciadas, como a leishmaniose e a doença de Chagas, que continuam a causar sofrimento, especialmente em regiões mais pobres, devido à falta de medicamentos eficazes.
Nesse cenário, surge a necessidade urgente de novas abordagens terapêuticas, e os peptídeos antimicrobianos (PAMs) têm se mostrado uma solução promissora. Esses pequenos fragmentos de proteínas, presentes em uma ampla gama de organismos, como em venenos e secreções de diversos animais, têm o potencial de combater eficazmente bactérias resistentes e patógenos responsáveis por doenças negligenciadas (protozoários).
Embora os peptídeos antimicrobianos naturais apresentem grande potencial, a ciência moderna permite aprimorar ainda mais suas propriedades, através da modificação química. Esses peptídeos podem ser sintetizados com pequenas alterações em sua estrutura, o que pode aumentar sua estabilidade no corpo humano e melhorar sua eficácia no combate a infecções. Normalmente, peptídeos naturais são degradados rapidamente pelas enzimas do corpo, limitando sua aplicação terapêutica. No entanto, modificações na sequência de aminoácidos ou a adição de grupos químicos específicos podem prolongar a ação desses peptídeos no organismo.
O trabalho realizado envolveu a síntese de peptídeos antimicrobianos modificados, derivados de fontes animais como rã, escorpião e vespa. Esses peptídeos foram projetados para aumentar sua eficácia tanto contra bactérias do grupo ESKAPE, conhecidas por sua resistência a antibióticos, quanto contra protozoários causadores de doenças negligenciadas, como o Trypanosoma cruzi, responsável pela doença de Chagas, e a Leishmania amazonenses, agente da leishmaniose. Esses peptídeos foram ajustados em sua estrutura química a fim de otimizar sua estabilidade, especificidade e capacidade de penetrar nas membranas celulares dos patógenos, buscando oferecer uma nova estratégia terapêutica para tratar essas infecções difíceis de combater.
Os resultados demonstraram que as modificações nos peptídeos sintetizados, como a substituição de certos aminoácidos por lisina, não apenas aumentaram a carga positiva dos peptídeos, o que fortaleceu sua interação eletrostática com as membranas dos patógenos, mas também reduziram a toxicidade em células de mamíferos, tornando esses peptídeos candidatos promissores para novos tratamentos. Além disso, as modificações estruturais resultaram em maior estabilidade dos peptídeos, aumentando sua biodisponibilidade e eficácia, além de um alto índice de seletividade e eficácia, induzindo a morte dos patógenos de forma direcionada e segura.
Esse estudo reforça a importância da pesquisa em peptídeos antimicrobianos modificados, especialmente aqueles derivados de venenos animais, como uma estratégia inovadora para o desenvolvimento de novos medicamentos. O sucesso desses peptídeos no combate às infecções resistentes e doenças negligenciadas abre novas perspectivas para tratamentos mais eficazes e seguros, destacando o potencial dessas moléculas na evolução das terapias antimicrobianas.
Autor(a): Katielle Albuquerque Freire
Orientador(a): Vani Xavier de Oliveira Jr
Título da Tese: Análises das atividades antimicrobianas de peptídeos provenientes de venenos de animais
O texto acima foi escrito com o objetivo de divulgar o trabalho desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia/Química da Universidade Federal do ABC para o público geral e é de responsabilidade do(a) autor(a) da tese/dissertação.