No fim de uma festa, sempre sobra muita sujeira para limpar: amontoados de garrafas, papéis e outros rejeitos. A solução óbvia é ensacar tudo e deixar que a coleta de lixo leve o problema para outro longínquo local, já que o lixo comum não é particularmente tóxico a curto prazo. Entretanto, não podemos dizer o mesmo para a maioria das “festas químicas” que ocorrem no cotidiano das indústrias e laboratórios, onde são produzidos importantes produtos para a sociedade e, por consequência, produzem resíduos que precisam ser lidados. A quantidade de “lixo” é muito maior e não há o luxo de despacha-lo para outro canto.

Na química, temos solventes, compostos auxiliares e subprodutos que compõem os resíduos. Geralmente os compostos químicos estão misturados de um jeito que apenas com outros compostos se faz possível separar os primeiros de maneira satisfatória. Este processo de separação pode gerar mais rejeitos, além de um custo financeiro. Felizmente, muita pesquisa científica é feita visando buscar novos métodos eficazes de separar e purificar materiais.

Uma abordagem para amenizar tal problema seria produzir menos rejeitos. Dentre as formas de se alcançar este objetivo, temos a diminuição do número de “pots” de um processo químico. A matéria-prima sofre uma transformação química, se tornando um produto intermediário. Para isso, é utilizado solventes e auxiliares químicos, os quais, após a transformação, são separados do produto, tornando-se resíduos. Podemos dizer que esse conjunto de transformação + separação/purificação constitui “um pot”. Porém, para obter o produto final é necessário dois ou mais pots, com cada pot produzindo sua quantidade de rejeitos. Realizar uma síntese “one pot”, portanto, é realizar várias transformações químicas no seu reagente até obter o produto final em apenas um único frasco, com purificação/separação apenas após obter o produto final, sem realizar essas etapas diversas vezes durante as transformações. O impacto disto é uma menor quantidade de descarte químico, uma vez que solventes e auxiliares compõem a maior parte do resíduo, além de simplificar o trabalho do profissional e economizar tempo. O desafio aqui é que nem sempre isso é possível, pois ao misturar tudo em um único frasco, pode acontecer outras reações químicas indesejadas e, ao final, você não terá o produto esperado.

Atualmente dependemos muito da cadeia linear de produção, em que extraímos um recurso natural, transformamos ele em produto e no final de sua vida útil, descartamos. Todavia, existe um recente conceito de química circular visa mudar essa forma de produção para uma cadeia circular, em que resíduos e produtos são    reinseridos na cadeia produtiva para serem reaproveitados, diminuindo o impacto da extração e do descarte. Uma das ideias que favorecem essa circulação é a já conhecida reciclagem.

Após essa longa introdução, posso entrar no trabalho em questão. Foi desenvolvido um método para transformar o paracetamol – um medicamento encontrado em farmácias e que, quando fora da validade, tem como destino a incineração – em propofol, um outro remédio. O propofol é muito utilizado em processos de intubação, cirurgias, dentre outros que requerem a sedação de um paciente. Portanto, a ideia é aproveitar esse conceito de química circular, utilizando um potencial resíduo, como é o paracetamol vencido e transforma-lo em algo benéfico para a sociedade novamente.

A estratégia utilizada envolveu todas as reações em ácido, sem precisar alterar o pH do meio drasticamente durante as transformações. Para tal, tivemos que buscar reações conhecidas em meio ácido e testa-las para verificar se nossa matéria-prima era compatível com tais reações. Com sucesso, isso possibilitou uma redução de pots para um único. Nosso melhor resultado foi transformar 47% do paracetamol vendido em farmácias em propofol de altíssima pureza, abrindo caminho para novas formas de se obter esse medicamento tão importante para nossa sociedade.

Conseguimos reduzir em mais da metade o uso de solventes, poupamos o uso agentes secantes em maior quantidade e diminuímos o tempo de bancada. Embora seja um resultado otimista, ainda há espaço para melhorias em determinados pontos para reduzir ainda mais a produção de resíduos e melhorar o rendimento.

Uma outra parte do trabalho desenvolvido focou-se na fenitoína, um medicamento para tratamento de convulsões. Embora aqui não planejamos o reaproveitamento de resíduos, ainda tentamos reduzir o número de pots. Neste caso, as reações testadas apresentaram diversos problemas de compatibilidade entre os compostos químicos utilizados, que é algo comum de acontecer conforme dito no ínicio. E, por isso, só conseguimos reduzir para o mínimo de dois pots e com um rendimento máximo de 15%. Um ponto positivo foi conseguir realizar todas as etapas sem utilizar cianeto, que é potencialmente muito perigoso para o ser humano e é geralmente empregado para produzir os compostos precursores da fenitoína.

Uma rota one-pot seria possível somente com novas formas de realizar as reações, com diferentes compostos químicos envolvidos que não interferissem ao longo da síntese.


Autor(a): Leonardo Costa Messina

Orientador(a): Álvaro Takeo Omori

Título da Tese: Sínteses one-pot dos fármacos propofol e fenitoína

O texto acima foi escrito com o objetivo de divulgar o trabalho desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia/Química da Universidade Federal do ABC para o público geral e é de responsabilidade do(a) autor(a) da tese/dissertação.